Locais aleatórios especiais: Kling Klang estúdio do Kraftwerk

Em um bairro industrial de Düsseldorf, existe um edifício modernista de azulejos amarelos pouco notado pelo público. Parece o tipo de construção erigida na reconstrução pós-guerra (a cidade foi quase toda bombardeada em ataques noturnos durante a Segunda Guerra Mundial).

No entanto, o edifício trai categorizações óbvias. À primeira vista parece fácil situá-lo em um continuum histórico. Mas, assim como poderia ser dos anos cinquenta ou sessenta, ele poderia ser facilmente dos anos vinte ou trinta. Ele pode ter sobrevivido milagrosamente às bombas de gasolina da RAF. Fotos aéreas do período pós-ataque sempre revelam os poucos pontos de exclamação de edifícios intactos que pontilham os resíduos monocromáticos. Poderia este ser um desses sobreviventes? É por isso que parece tão especial em meio aos outros prédios banais de Mintropstrasse? Ou talvez seja simplesmente que a fotografia o torna especial.

Mintropstrasse 16, Düsseldorf, Alemanha. Antiga casa Kling Klang, Kraftwerk Studio, 1970-2009. Foto: A Batidas, Flickr.

Meu interesse não é inocente, mas, como o título sugere é, de alguma forma, aleatório. Recentemente me vi absorvido no documentário de 2009 da BBC Krautrock: The Rebirth of Germany. Foi através do programa que eu aprendi sobre o Mintropstrasse 16. Presumi que foi bem documentado, embrulhado na narrativa da arquitetura ocidental, mas fora de seu papel original -acredito- como o estúdio do Kraftwerk, o Kling Klang, permaneceu – condizente com o processo da banda e trabalhos internos – um enigma. Porém, alguém naquela rua sabe. Alguém sabia de arquitetura. Alguém em algum lugar deve estar fazendo uma dissertação de doutorado sobre isso.

Há algo otimista e expansivo em relação àquela faixa de vidro que eu penso ser o segundo pavimento. Você entra e se depara dentro dele. Por quê?  Parece ser um edifício que vale a pena pensar a respeito, mas eu não consigo achá-lo em nenhum dos livros ou do banco de dados da União Européia, e muito menos na Alemanha que possui um compendio fantástico de suas edificações, ou o que sobrou delas.

A entrada pela rua do centro abandonado é na verdade a abertura coberta que nos leva ao pátio interno. O edifício se desdobra em torno de uma abertura para o céu, como um poço. Você entra dentro dele e naturalmente olha para cima. Nessa abertura o céu é mais intenso, como se estivesse sendo focalizado através de lentes. É introspectivo como o castelo de Heidelberg. Enquanto a entrada é alinhada com a passagem da calçada, definindo em consonância com os prédios adjacentes um canyon urbano familiar, a experiência do pátio produz um mundo diferente, a rua deixada para trás logo depois do brise.

O ex-Kling Klang Estúdio, escondida em uma entrada traseira (Foto: Craig Robinson, flipflopflyin.com)

Sua simetria descarada e sem disfarces garante um sentimento de calma. O edifício parece permanecer sem deslizes, sem truques. Também não há ironia. Ele não está tentando enganar ninguém; ele não requere nada de nós.

Nova música em novas máquinas

Aquelas cortinas delicadas penduradas atrás do vidro desmaterializam a solidez do edifício. Eu gostaria de vê-las abertas. O vidro certamente poderia ter sido maior, mas o arquiteto decidiu manter a maioria deles espaçados entre si ao invés de repetir aquela faixa especial. As pequenas janelas se recuam enquanto a faixa se projeta para fora na fachada, o suficiente para significar alguma coisa. Existe um workshop atrás dessa faixa?Uma pequena fábrica? Ou um lounge?

O enigmático grupo Kraftwerk se retirou para este santuário industrial para criar novas músicas em máquinas novas. De 1970 a 2009, eles produziram a maioria de seus álbuns aqui, em equipamentos inventados por eles – proto-sintetizadores, osciladores, vocoders e sequenciadores, para citar alguns. O estúdio ficou famoso por sua segurança, como uma fortaleza. Não havia telefone e a porta provavelmente permaneceria fechada se alguém se atrevesse a bater. Uma esfera privada não facilmente penetrável, a partir da qual surgiu a música que daria origem a tantas outras que conhecemos hoje. Uma música tão inovadora vinda daquela pequena esquina com a plataforma de carga, por trás da categorização – traindo a fachada de azulejos amarelo, com a otimista faixa de vidro e as cortinas translúcidas.

Há algo sobre a arquitetura. Um pouco parecido com a música do Kraftwerk que pode atravessar o tempo de antes e transcender para o agora. Na paisagem sonora atual, Kraftwerk pode soar um pouco, bem, de início, um pouco “pré”, mas não de uma maneira ruim. É como olhar fotografias de infância, sem julgamento severo. É completamente vivido, de alguma forma sem ter sofrido cicatrizes pelo tempo. Nestas fotografias parece quase irreal, como uma aparição recém-pintada da cidade industrial. Um conjunto teatral infantil, simplesmente escrito ou filmado ou sonhado como se fosse tal. E no sonho, como você pode tentar, as portas não se abrem. E não há maneira de entrar. E isso estaria de acordo com o seu propósito secreto. Na parte de trás e para a direita, onde existe a plataforma de carga, existe um local de peregrinação moderna: a antiga localização do estúdio Kling Klang do Kraftwerk.

Sobre Guy Horton: Guy Horton, vive em Los Angeles, contribui frequentemente para a Architectural Record, Architect, GOOD, Metropolis e outras publicações. Seu livro mais recente, The Real Architect’s Handbook: Things I Didn’t Learn in Architecture School pode ser comprador pelo Amazon. Siga Guy no Twitter @guyhorton

 

Sobre este autor
Cita: Leonardo Márquez. "Locais aleatórios especiais: Kling Klang estúdio do Kraftwerk" 14 Ago 2012. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/01-65003/locais-aleatorios-especiais-kling-klang-estudio-do-kraftwerk> ISSN 0719-8906

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